Em nome da tal liberdade...

Neste final de semana li um artigo na revista Mente e Cérebro (não tenho agora o nome da autora e do artigo) sobre a lei antifumo em SP que reclamava o direito de liberdade dos fumantes. Hoje pela manhã, li um email que falava sobre a liberdade de escolha de uma cesariana. Usando de uma retórica pobre, em ambos, a velha dobradinha clichê: liberdade de escolha/consciência de cada um.

O mais curioso é que em ambos os casos não se discutia criticamente nada! Não se apresentavam e pesavam prós e contras. Não. Tudo se resumia ao velho e fácil: ah, cada um faz o que quiser e pronto. E viva a liberdade de expressão!

E resolvi exercitar a mesma retórica pobre.

Aí, fiquei pensando, então, que Hitler usou sua liberdade de expressão quando optou por dizimar milhões de judeus, que os talibãs também usam sua liberdade de expressão quando explodem torres por aí, que podemos pegar negros na áfrica e usá-los como escravos, que meu cachorro pode fazer cocô na porta da vizinha porque não posso cerceá-lo em sua liberdade de expressão e que podemos jogar lixo na rua para não nos sentirmos presos às boas normas moralistas. E assim a humanidade caminhará livre e feliz, moderna, prática e descolada! Para a parte que pode exercer sua liberdade, claro!

No caso do artigo sobre o fumo, a autora citava Foucault dizendo como este pensador discorreu sobre a regulação dos corpos pelos aparelhos do Estado. Fico imaginando como um autor deve ficar fulo da vida em ver seus escritos banalizados. Porque se é assim, não podemos esquecer que até o fato de usar roupas também é uma regulação de nossos corpos pelo “Estado”, mas todo mundo se assusta quando vê alguém peladão por aí, como aquela moça que invadiu um estádio uma vez em algum lugar que não lembro onde.

Assim com o email sobre liberdade entre parto normal e cesárea, o artigo não levou em consideração algo simples, mas que passa despercebido: o outro.

Pode ser ótimo pra você sentar-se à mesa de um médico, tomar uma deliciosa anestesia, dormir e acordar com seu filho nos braços, sem dor, sem esforço, fácil, limpo e prático como tudo na nossa moderna modernidade. Mas e pro seu filho? Alguém perguntou a ele como deve ser legal ser “retirado” de dentro de um lugar de repente, sem ter nenhuma preparação pra isto? E a liberdade dele? Ou será que a liberdade tem idade pra entrar em vigor?

Da mesma maneira, ninguém pergunta pra alguém que esta andando na rua a céu aberto: ei, a fumaça que joguei do meu cigarro para o alto e foi parar na sua cara, ta te incomodando, amigo? E a liberdade de quem não quer inalar a fumaça do seu cigarro? Ou será que a liberdade só respeita o prazer?

Fico achando que essa tal liberdade é um tal de egoísmo e arrogância fantasiados, sabe? Um laissez-faire muito doido que nossa individualista sociedade “neo-modernista contemporânea” criou para simplesmente deixar tudo como está. Conforme-se, meu bem! Exerça sua liberdade e não encha o saco! É bem mais prático do que se preocupar com os outros...